quarta-feira, 27 de abril de 2011

Construção civil abriga os novos escravos



No campo, as plantações de cana-de-açúcar e erva-mate, e a extração de madeira ou carvão respondem pela exploração da mão de obra. Nas cidades, os novos escravos estão na construção civil e na produção têxtil. Em Curitiba, condições semelhantes à escravidão foram encontradas em obras financiadas pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida.
O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e da Construção Civil de Curitiba e Região Metro­po­litana (Sintracon) fez duas fiscalizações neste ano em construções bancadas pelo governo. Os fiscais descobriram trabalhadores trazidos do Maranhão e do Piauí instalados em abrigos, onde ficavam amontoados e sem condições de higiene.
“Resgates não são parâmetro”, diz especialista
Integrante da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, o cientista político e membro da ONG Repórter Brasil Leonardo Sakamoto considera um erro avaliar a situação do trabalho escravo no Brasil pelo número de pessoas resgatadas. “O que diz mais sobre a situação é o número de operações realizadas”, explica. De acordo com ele, os últimos dois presidentes foram fundamentais para mostrar que a escravidão continuava a existir. “Com isso, o trabalho escravo deixou de ser um tema tão obscuro”, revela.
Entretanto, neste ano, em busca da contenção de gastos, o governo federal diminuiu o número de operações, situação preocupante na avaliação de Sakamoto. “Algumas superintendências estão reclamando da falta de recursos”, diz. As fiscalizações podem ser eficientes, retirando por vezes mais de mil trabalhadores de situação análoga à escravidão. Ou não terem qualquer resultado. Nos últimos cinco anos, foram quase R$ 40 ­­milhões pagos em indenizações aos trabalhadores e praticamente 21 mil resgates.
Seis empresas do PR constam em lista “suja”
Seis empresas do Paraná estão na lista “suja” do Ministério do Tra­­ba­­lho e Emprego. Previsto na Por­­ta­­ria n.º 540/2004, o cadastro de em­­pregadores flagrados explorando trabalhadores em condição análoga à de escravos recebe atualização semestral (a última delas ocorreu em março de 2011). Para constar no documento, deve haver decisão definitiva sobre o julgamento administrativo. E, para ser excluído da lista, os empregadores precisam comprovar dois anos de correção das irregularidades identificadas pela inspeção do trabalho.

O Ministério Público do Tra­­balho do Paraná recebeu em 2011 ao menos quatro denúncias de trabalho degradante na cons­­trução civil na região da capital. Segundo o procurador Luercy Lino Lopes, há outros casos de trabalhadores que foram aliciados no Nordeste com falsas promessas. Os problemas vão desde a má qualidade da comida ofertada e a falta de equipamentos de proteção individual até jornadas diárias de trabalho que ultrapassam 10 horas sem pagamento de hora extra. “É um quadro de verdadeira degradância, com o avil­­tamento da dignidade”, diz o procurador.
Quando o trabalhador é encon­­trado nessa condição, é feita sua retirada, com rescisão indireta dos contratos e pagamento das indenizações, verbas trabalhistas e retorno ao local de origem. Pelo artigo 149 do Código Penal, o empregador pode ser punido à reclusão de dois a oito anos. Também podem ser somados ao artigo 149, a frustração de direitos trabalhistas, apropriação indébita previdenciária e estelionato. Além disso, as empresas são inscritas na lista suja do Ministério do Trabalho, sendo impedidas de garantir financiamento do governo federal. Hoje, cerca de 120 empregadores cons­­tam nessa lista.
Lopes ressalta que, em muitas situações, as construtoras culpam empresas terceirizadas contratadas para executar o serviço. “Insis­­timos na formalização direta dos contratos de trabalho com esses empreiteiros/tomadores e, relativamente às empresas que se recusam a ajustar tal conduta, ajuizamos ações civis públicas, buscando no Poder Judiciário a responsabilização direta dessas empresas”, diz. Quem geralmente assume a responsabilidade pelas verbas referentes ao resgate, é a construtora ou empreiteira principal.
Aliciamento
De acordo com o superintendente substituto do Tribunal Regional do Trabalho, Elias Martins, as fiscalizações são realizadas pela Secretaria de Inspeção do Traba­­lho, em equipes compostas por auditores e um procurador, com a proteção da Polícia Federal. O planejamento das operações é feito com base em denúncias. Segundo ele, são constantes as denúncias de “importação” de mão de obra para a construção civil. Nessas situações, existe sempre a figura do aliciador. “Ele cobra para trazer as pessoas”, afirma. Martins ressalta, contudo, que nem todos os casos se configuram como trabalho escravo. “Muitas vezes, a situação é precária, mas não análoga à escravidão” diz.
Segundo a Organização Inter­­na­­cional do Trabalho (OIT), o conceito atual de escravidão exige a ocorrência de uma destas três situações: apreensão de documentos; presença de guardas armados no trabalho; e a criação de dívidas ilegais. Mas casos de semi escravidão são muito comuns.
Caixa
Segundo o Ministério das Cida­des, a responsabilidade pelo acom­panhamento das obras do Minha Casa, Minha Vida é da Caixa Econômica Federal. Por e-mail, a CEF informou que solicita os documentos necessários às construtoras responsáveis para validar as obras. A instituição ainda afirma que prevê, por contrato, o cumprimento de exigências sociais, econômicas e ambientais.
Empresas negam trabalho degradante
Denunciadas pelo Sintracon, as construtoras AM5 e Veloso negam a ocorrência de trabalho análogo à escravidão ou em condições degradantes nas obras que tocam do programa Minha Casa, Minha Vida. Am­­bas alegam contratar funcionários de outros estados em razão da falta de mão-de-obra no aquecido mercado da construção civil. Advogada da Veloso, Mariana Onofre confirma que a empresa assinou um Termo de Ajus­­ta­­mento de Conduta (TAC) e que, dos cerca de 100 funcionários do Maranhão e Piauí, apenas sete permanecem na empresa por interesse próprio. Os demais tiveram suas rescisões pagas e voltaram ao local de origem.
A AM5 vê com “constrangimento a crítica formulada pelo sindicato, pois estamos no mercado há 32 anos, sem ter enfrentado esse tipo de problema”, informou a empresa em e-mail enviado à Gazeta do Povo pelo engenheiro civil Mateus Murad. A empresa informa que os alojamentos da empresa atendem as condições exigidas pelo Ministério do Trabalho. Con­­forme Murad, os trabalhadores são contratados conforme a disponibilidade. “Se existem em­­pregados de outros estados é porque migraram em busca de me­­lhores condições de trabalho e renda”, diz.

Na avaliação de Mariana, a falta de higiene encontrada pelo Sin­­tracon é reflexo da junção de vários homens com hábitos diferentes sob o mesmo teto. “Agora, os trabalhadores estão sujeitos às regras de higiene elaboradas por um técnico em segurança. A empresa tomou a rédea da situação”, afirma.

Fonte:Vinicius Boreki

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