quarta-feira, 27 de abril de 2011

OEA determina a suspensão das obras em Belo Monte

 

A novela da Hidrelétrica Belo Monte, que se inicou há mais de 30 anos, nos surpreendeu recentemente com mais um capítulo: a Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no último dia 1º de abril, notificou o governo brasileiro para paralisar a obra. É uma história antiga que agora tem novos personagens.
Quem não se lembra da índia Tuíra, em 1989, esfregando um facão no rosto do então diretor de engenharia da Eletronorte em protesto contra o projeto da usina, à época denominada Kararaô? Anos depois foram os Caiapós que se irritaram com a apresentação de um outro engenheiro da Eletrobrás, que acabou ferido no braço.
Hoje, o engenheiro que foi ameaçado pela índia Tuíra é um dos diretores da Eletrobrás e o nome da usina foi mudado para Belo Monte, afinal, era mesmo afrontoso dar um nome indígena para uma usina que vai agredir um rio que os índios consideram sagrado.
Juntamente com o nome, mudaram-se os planos, mas o projeto continuou colossal e tornou-se a estrela do PAC, portanto uma prioridade do atual governo, que pretende contruir no coração da Amazônia a terceira maior hidrelétrica do mundo, com capacidade de 11.233 megawatts, orçada em R$ 30 bilhões e inundando uma área de 51.600 hectares de floresta, com capacidade de geração de energia muito mais baixa do que a média das hidrelétricas brasileiras.
Recorrendo ao expediente da Suspensão de Segurança, o governo vinha conseguindo, com uma decisão monocrática do presidente do Tribunal Federal da 1ª Região, no Distrito Federal, fôlego para tocar essa obra “a qualquer custo”, usando argumentos falaciosos e sem comprovação, como a tese de que trata-se de “empreendimento estratégico para o sistema gerador de energia” e, caso não seja viabilizado, poderá ocasionar o “colapso do sistema energético nacional”.
Vale lembrar que esse mesmo argumento foi usado para licenciar a desastrosa Hidrelétrica de Balbina, como se não houvessem alternativas para suprir a demanda energética nacional com um custo socioambiental menor.
Não cabe aqui elencar as inúmeras falhas e irregularidades apontadas no projeto, que são de cunho técnico, mas é público e notório que essas licenças foram emitidas contrariando pareceres das equipes técnicas do Ibama e da Funai e possuem um rol de condicionantes que ainda não foi atendido. Mas, o mais grave é que o açodamento do procedimento esteja levando à quebra do devido procedimento legal e, por meio de decisões que são, sobretudo, políticas, cria precedentes perigosos que enfraquecem as instituições e atingem o cerne da democracia.
Mais recentemente (25/2/11), a Justiça Federal no Pará determinou a suspensão imediata da licença de instalação parcial que permitia o início das obras do canteiro da usina. De acordo com o juiz federal Ronaldo Destêrro, as condicionantes necessárias para o início das obras não foram cumpridas. “Em lugar de o órgão ambiental conduzir o procedimento, acaba por ser o Consórcio Norte Energia S.A. (Nesa) que, à vista dos seus interesses, suas necessidades e seu cronograma, tem imposto ao Ibama o modo de condução do licenciamento de Belo Monte”, afirmou o magistrado.
O presidente do TRF-1 mais uma vez suspendeu liminar acolhendo a alegação do risco de lesão à ordem pública e à economia, mas, ao que tudo indica, o prejuízo maior (econômico e ambiental) ocorrerá se a obra for construída, pois, segundo o procurador da República Felício Pontes Jr, "à medida que o tempo passa, mais estudos demonstram que essa obra não se sustenta nem mesmo do ponto de vista econômico”.
Ainda segundo Pontes Jr, baseado em estudos conduzidos por peritos do MPF: "Os estudos demonstram que não há água suficiente para gerar energia naquela que, se um dia sair do papel, será a obra mais cara do Brasil," e o que é pior, representaria uma grave violação aos direitos das comunidades indigenas e desrespeito à legislação ambiental.
A forma atabalhoada como tem sido conduzido este projeto já deixou sequelas no governo; no Ministério do Meio Ambiente, contribuindo para a saída da então ministra Marina Silva; no Ibama, tendo provocado a exoneração de um presidente que é servidor de carreira e não se submeteu à pressão, segundo noticiado pela imprensa; na Funai, que sai mais enfraquecida, pois decidiu contra os índios; e na Advocacia-Geral da União (AGU), que investiu contra o Ministério Público tentando impedir-lhes a atuação. Tudo isso tem um custo muito alto e passa uma mensagem subliminar de que nem as leis nem a Constituição serão impecilhos para uma decisão de governo que aposta num projeto cheio de falhas e pendências.
A questão agora tem foro internacional com a decisão da Comissão Interamericana da OEA de notificar o governo brasileiro para suspender as obras e realizar consulta prévia, informada e culturalmente adequada com as comunidades indígenas, assegurando a estes acesso aos estudos de impacto em idioma indígena, bem como adotar medidas vigorosas para proteger os índios isolados da região e previnir a disseminação de doenças e epidemias entre as comunidades indígenas na área de influência do projeto.
Caso não acate essa decisão, o Brasil poderá sofrer uma condenação pela Corte Internacional, por violar direitos humanos das populações indígenas, o que prejudica internacionalmente a imagem do país e demonstra a fragilidade de nossa democracia, adiando, mais uma vez, o sonho de integrar o Conselho de Segurança da ONU.
A decisão da OEA atende o insistente apelo do Ministério Público Federal e não é diferente das reiteradas decisões tomadas pelo juiz federal que está perto da área e conhece todos os detalhes do projeto e do processo, mas é diferente da decisão individual do presidente do TRF-1, que está na sede política do país, mas a quase 2 mil quilômetros da obra.
Parabéns ao Ministério Público que tem agido de forma destemida, cumprindo com eficiência sua função institucional e à sociedade civil e comunidades indígenas que buscaram na Corte Internacional um direito assegurado na Constituição brasileira e na Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Do Judiciário, a sociedade espera que atue com independência sem permitir que se crie uma situação de fato consumado, onde a legislação e as instituições sejam atropeladas com um megaprojeto que sequer teve seus impactos e viabilidade econômica ponderados apropriadamente.

Fonte: Carlos Teodoro Irigaray

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